BPN - A informação que nunca chegou a público

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No início 2008, o Banco Português de Negócios (BPN) era um banco com 213 agências, 2254 trabalhadores e ativos totais de 8.025 M€ (2% dos ativos totais da banca) [1].

Em Outubro, o banco deu indícios de dificuldades financeiras e foram estudadas várias iniciativas para as ultrapassar. No entanto, o Banco de Portugal concluiu que estas não seriam suficientes, dado o estado do banco.

O Estado português, face à falência eminente do BPN e de forma a tentar conter os seus efeitos negativos, decidiu nacionalizá-lo. Acabou depois por reestruturá-lo e vender os seus "bons" ativos, ficando na posse dos "maus".

No final de 2019, a fatura do resgate do BPN assumia um valor acumulado de 6201 milhões de euros, o equivalente a 2.6% do PIB português desse ano [2].

Este artigo procura analisar criticamente o processo de decisão do Estado de uma forma objetiva e imparcial, tentando aprofundar as razões apresentadas e explorar a sua validade. Para tal, e de forma a não incorrer no erro de julgar decisões passadas à luz de informação futura, sempre que possível serão utilizadas fontes que estivessem disponíveis na altura das tomadas de decisão.


Histórico de eventos [3, 4, 18]

 

Tabela 1: Capital próprio declarado vs capital próprio revisto.
Ano Capital Próprio declarado / M€ Capital Próprio revisto / M€
2006 363 -855
2007 369 -1.194
2008 342 (a 30 de Setembro) -1.624 (a 31 de Dezembro)

 

 

 


Análise ao processo de decisão

Porque foi o BPN nacionalizado, em primeiro lugar?

O BPN foi nacionalizado após a aprovação de uma Lei especificamente concebida para permitir esta operação. Durante o seu debate parlamentar, o Estado utilizou os seguintes argumentos a favor da nacionalização [5]: 

  1. Colocaria em risco os depósitos de milhares de depositantes.
  2. Risco de contágio para com o resto do sistema financeiro. 
  3. O custo para os contribuintes portugueses seria bem maior caso se deixasse o banco falir.
  4. O facto do Banco ter um saldo líquido positivo de 300-400 M€ em Agosto e apresentar perdas de 800 M€ em Outubro, mostrando a necessidade de intervenção urgente para evitar a ruptura de pagamentos.

Neste debate, observaram-se as seguintes críticas por parte dos deputados da oposição:

Análise aos argumentos do Estado

Colocaria em risco os depósitos de milhares de depositantes
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  • No final de 2018, o BPN tinha 217.417 clientes particulares e 47.561 clientes empresariais [6].
  • Cerca de 37.000 clientes tinham saldo igual a zero [7].
  • Em Portugal, o Fundo de Garantia de Depósitos garante que todo o dinheiro presente em depósitos até 100.000€ é reembolsado em caso de perda. Este montante é aplicável tanto a depósitos de particulares como de empresas.
    Nota: este valor de garantia aplica-se por instituição bancária, pelo que uma pessoa com depósitos diversificados por vários bancos pode ter garantias muito superiores a 100.000€.
  • O valor do Fundo de Garantia de Depósitos, no final de 2008, era de 1.357 M€ [8].
  • No final de 2008, o BPN possuía 896 M€ de depósitos à ordem, 4.036 M€ em depósitos a prazo, 8.188 M€ de ativo e -1.624 M€ (20% do ativo) de capitais próprios. Isto significa que cerca de 20% do ativo estaria a "descoberto", estando em risco caso o banco falisse.  
  • 20% dos depósitos mencionados totalizam o valor de 986 M€, valor abaixo dos 1.357 M€ do Fundo de Garantia de Depósitos, mesmo assumindo que todos os depósitos seriam inferiores a 100.000€ e por isso integralmente protegidos pelo Fundo.
  • Aproximadamente 8% da riqueza líquida dos portugueses, independentemente do valor da sua riqueza, está guardada em depósitos à ordem e a prazo [10]. Através deste valor e da distribuição de riqueza líquida, é possível estimar que menos de 5% dos portugueses possuem riqueza suficiente para ter depósitos superiores a 100.000€. Tendo em conta o valor mediano dos depósitos dos portugueses mais ricos e que o valor do Fundo de Garantia se multiplica pelo número de bancos com depósitos, é possível estimar que muito dificilmente mais de 10% dos clientes particulares fosse afetado pela não cobertura total dos depósitos. Não foram encontrados dados relativamente aos depósitos a prazo das empresas. 
    Nota: Estes dados não estavam disponíveis na altura da nacionalização. No entanto, parece pouco provável o Estado não ter meios para obter a percentagem de depósitos que ficariam a descoberto.
  • É importante realçar que, à data da nacionalização, não se sabia o real valor dos capitais próprios do banco [9].

Conclusões:

 

Risco de contágio para com o resto do sistema financeiro
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  • Segundo estudos realizados com base em dados dos EUA, não existe evidência de que a falência de um banco ou grupo de bancos leve à falência de bancos solventes (saudáveis financeiramente) [11].
  • Simulações parecem evidenciar que, mesmo com a falência do maior banco devedor do sistema dos EUA e perdas na ordem dos 40%, os bancos falidos por contágio representariam valores inferiores a 1% dos ativos bancários [12].
  • É debatível se as estimativas relativas ao risco de contágio, em situações de crise, não serão mais influenciadas por pânico do que racionalidade [11].
  • A solvabilidade Tier 1 de um banco mede a sua saúde financeira. Quanto maior o seu valor, mais bem preparado um banco está para fazer face a perdas inesperadas. A solvabilidade Tier 1 dos bancos portugueses no final de 2008 era, em média, de 6.8% [13], valor bastante abaixo do registado em 2021, de 15.2% [14]. 
    Nota: Caso pretendas saber mais sobre como se mede a saúde financeira de um banco, vê este artigo.
  • Entre a falência do Lehman Brothers, o quarto maior banco de investimento dos EUA, em 2008, e o primeiro semestre de 2011, a capitalização bolsista dos principais bancos portugueses afundou 40%, o que corresponde a uma quebra de cerca de 5000 M€.

Conclusões:

 

O custo para os contribuintes portugueses seria bem maior caso se deixasse o banco falir
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  • A 22 de Novembro de 2010 a chefe do gabinete do Ministro das Finanças quantificou o cenário de falência como tendo custos superiores a 10% do PIB [15], ou seja, superior a 17.900 M€ [16].
  • Futuramente à nacionalização, em Maio de 2012, o Ministro das Finanças "citou estudos internacionais segundo os quais a falência de um banco teria levado a economia a cair no mínimo quatro por cento, podendo mesmo chegar a 10%" [17].

Conclusões:

 

Necessidade de intervenção urgente para evitar a ruptura de pagamentos

Conclusões:

 

Conclusões relativas à nacionalização

 

Porque foi depois privatizado?

Após a nacionalização do BPN, o Estado encomendou estudos para analisar o impacto dos vários cenários possíveis.
Toda esta secção sintetiza os dados da Comissão Parlamentar de Inquérito [7], que teve acesso aos estudos e a outros documentos que ainda hoje permanecem confidenciais.

Estudos iniciais

 
Comparação apresentada entre as várias alternativas

 

Eventos relevantes após os estudos iniciais

 

Comparação apresentada entre venda e liquidação

 

Eventos relevantes após reunião com a Troica

 

Análise relativa aos estudos iniciais

Análise relativa à atuação inicial do Estado

Análise relativa à comparação entre liquidação e venda

 

Conclusões relativas à privatização


Conclusões


Referências

[1] BPN - Relatório e Contas 2007

[2] Tribunal Constitucional - Parecer sobre a conta geral do Estado 2019

[3] Comissão Europeia - Decisão da Comissão de 27 de Março de 2012 relativa às medidas SA. 26909 (2011/C) executadas por Portugal no contexto da reestruturação do Banco Português de Negócios (BPN) 

[4] DRE - Resolução da Assembleia da República n.º 34-A/2012 

[5] Parlamento - Debate Parlamentar 2008-11-05 

[6] Parlamento - Pergunta ao Governo 774/XI/2 

[7] Comissão Parlamentar de Inquérito ao Processo de Nacionalização, Gestão e Alienação do Banco Português de Negócios, SA - Relatório Final 

[8] Fundo de Garantia de Depósitos - Relatório e Contas 2008

[9] BPN - Relatório e Contas 2008 

[10] Banco de Portugal - Inquérito à situação financeira das famílias 2010

[11] George G. Kaufman, Kenneth E. Scott - What Is Systemic Risk, and Do Bank Regulators Retard or Contribute to It? - The Independent Review 

[12] Bank for International Settlements -Interbank Exposures: Quantifying the Risk of Contagion

[13] Banco de Portugal - Developments In Banking System Solvency

[14] Banco de Portugal - Portuguese Banking System: Latest Developments (2021)

[15] Gabinete do Ministério das Finanças - Resposta à pergunta n.º 5133/XI/1

[16] PORDATA - PIB Português

[17] Jornal de Negócios: Com falência do BPN "a economia teria afundado de forma acentuada" 

[18] Parlamento - Detalhes da Proposta de Lei 230/X/4

 


Revision #29
Created 2 August 2021 10:35:22 by André Pinheiro
Updated 2 November 2021 23:21:20 by André Pinheiro