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BPN - A informação que nunca chegou a público

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No início 2008, o Banco Português de Negócios (BPN) era um banco com 213 agências, 2254 trabalhadores e ativos totais de 8.025 M€ (2% dos ativos totais da banca) [1].

Em Outubro, o banco deu indícios de dificuldades financeiras e foram estudadas várias iniciativas para as ultrapassar. No entanto, o Banco de Portugal concluiu que estas não seriam suficientes, dado o estado do banco.

O Estado português, face à falência eminente do BPN e de forma a tentar conter os seus efeitos negativos, decidiu nacionalizá-lo. Acabou depois por reestruturá-lo e vender os seus "bons" ativos, ficando na posse dos "maus".

No final de 2019, a fatura do resgate do BPN assumia um valor acumulado de 6201 milhões de euros, o equivalente a 2.6% do PIB português desse ano [2].

Este artigo procura analisar criticamente o processo de decisão do Estado de uma forma objetiva e imparcial, tentando aprofundar as razões apresentadas e explorar a sua validade. Para tal, e de forma a não incorrer no erro de julgar decisões passadas à luz de informação futura, sempre que possível serão utilizadas fontes que estivessem disponíveis na altura das tomadas de decisão.


Histórico de eventos [3, 4, 18]

  • 2008
    • 11 de Novembro:
      • Governo aprova proposta de lei para nacionalizar o BPN.
    • 12 de Novembro:
      • O BPN é nacionalizado a custo zero.

 

  • 2009
    • Abril:
      • Ajustado o balanço de 2008, considerando os capitais próprios (o que o banco tem menos o que o banco deve) como -1.476 M€ [7].
    • 6 de Julho:
      • Publicadas as contas do BPN relativas a 2008, existindo a seguinte revisão de contas:
Tabela 1: Capital próprio declarado vs capital próprio revisto.
Ano Capital Próprio declarado / M€ Capital Próprio revisto / M€
2006 363 -855
2007 369 -1.194
2008 342 (a 30 de Setembro) -1.624 (a 31 de Dezembro)

 

  •  2010
    • Setembro:
      • Estado tenta vender o BPN por 180 M€. Não existiram ofertas.
      • Estado expressa intenção de fazer novo concurso.
    • Outubro
      • Estado reestrutura o BPN, passando todos os ativos de difícil recuperação para 3 empresas distintas.

 

  • 2011
    • Maio:
      • O Estado lança novo concurso, sem preço mínimo, obtendo três ofertas.
    • 31 de Julho:
      • Estado chega a acordo de venda com o banco BIC.

 

  • 2012
    • 16 de Março:
      • É criada uma comissão parlamentar de inquérito ao processo de nacionalização, gestão e alienação do BPN.
    • 30 de Março:
      • O BPN é vendido ao banco BIC por 40M€.

    Análise ao processo de decisão

    Porque foi o BPN nacionalizado, em primeiro lugar?

    O BPN foi nacionalizado após a aprovação de uma Lei especificamente concebida para permitir esta operação. Durante o seu debate parlamentar, o Estado utilizou os seguintes argumentos a favor da nacionalização [5]: 

    1. Colocaria em risco os depósitos de milhares de depositantes.
    2. Risco de contágio para com o resto do sistema financeiro. 
    3. O custo para os contribuintes portugueses seria bem maior caso se deixasse o banco falir.
    4. O facto do Banco ter um saldo líquido positivo de 300-400 M€ em Agosto e apresentar perdas de 800 M€ em Outubro, mostrando a necessidade de intervenção urgente para evitar a ruptura de pagamentos.

    Neste debate, observaram-se as seguintes críticas por parte dos deputados da oposição:

    • Não foi apresentada qualquer fundamentação financeira nem apresentação de estudos que comparassem a nacionalização com outras alternativas.
    • O tempo para a tomada de decisão foi curto (menos de 48h entre a entrada do projeto de lei, a 03/11/2018 e a discussão, a 05/11/2018).

    Análise aos argumentos do Estado

    Colocaria em risco os depósitos de milhares de depositantes
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    • No final de 2018, o BPN tinha 217.417 clientes particulares e 47.561 clientes empresariais [6].
    • Cerca de 37.000 clientes tinham saldo igual a zero [7].
    • Em Portugal, o Fundo de Garantia de Depósitos garante que todo o dinheiro presente em depósitos até 100.000€ é reembolsado em caso de perda. Este montante é aplicável tanto a depósitos de particulares como de empresas.
      Nota: este valor de garantia aplica-se por instituição bancária, pelo que uma pessoa com depósitos diversificados por vários bancos pode ter garantias muito superiores a 100.000€.
    • O valor do Fundo de Garantia de Depósitos, no final de 2008, era de 1.357 M€ [8].
    • No final de 2008, o BPN possuía 896 M€ de depósitos à ordem, 4.036 M€ em depósitos a prazo, 8.188 M€ de ativo e -1.624 M€ (20% do ativo) de capitais próprios. Isto significa que cerca de 20% do ativo estaria a "descoberto", estando em risco caso o banco falisse.  
    • 20% dos depósitos mencionados totalizam o valor de 986 M€, valor abaixo dos 1.357 M€ do Fundo de Garantia de Depósitos, mesmo assumindo que todos os depósitos seriam inferiores a 100.000€ e por isso integralmente protegidos pelo Fundo.
    • Aproximadamente 8% da riqueza líquida dos portugueses, independentemente do valor da sua riqueza, está guardada em depósitos à ordem e a prazo [10]. Através deste valor e da distribuição de riqueza líquida, é possível estimar que menos de 5% dos portugueses possuem riqueza suficiente para ter depósitos superiores a 100.000€. Tendo em conta o valor mediano dos depósitos dos portugueses mais ricos e que o valor do Fundo de Garantia se multiplica pelo número de bancos com depósitos, é possível estimar que muito dificilmente mais de 10% dos clientes particulares fosse afetado pela não cobertura total dos depósitos. Não foram encontrados dados relativamente aos depósitos a prazo das empresas. 
      Nota: Estes dados não estavam disponíveis na altura da nacionalização. No entanto, parece pouco provável o Estado não ter meios para obter a percentagem de depósitos que ficariam a descoberto.
    • É importante realçar que, à data da nacionalização, não se sabia o real valor dos capitais próprios do banco [9].

    Conclusões:

    • Embora seja verdade que os depósitos de milhares de depositantes fossem colocados em risco, através da informação disponível em 2008, seria plausível assumir que o valor dos depósitos abaixo de 100.000€ continuaria garantido. Isto iria garantir que todos os depósitos dos portugueses menos favorecidos ficariam a salvo e que, mesmo os 10% mais favorecidos, não iriam perder a totalidade do seu capital. A mesma conclusão deverá ser aplicável às empresas, embora seja expectável uma maior perda média de capital.
    • Tendo estes fatores em conta, é possível afirmar com alguma certeza que este argumento é pouco plausível. 

     

    Risco de contágio para com o resto do sistema financeiro
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    • Segundo estudos realizados com base em dados dos EUA, não existe evidência de que a falência de um banco ou grupo de bancos leve à falência de bancos solventes (saudáveis financeiramente) [11].
    • Simulações parecem evidenciar que, mesmo com a falência do maior banco devedor do sistema dos EUA e perdas na ordem dos 40%, os bancos falidos por contágio representariam valores inferiores a 1% dos ativos bancários [12].
    • É debatível se as estimativas relativas ao risco de contágio, em situações de crise, não serão mais influenciadas por pânico do que racionalidade [11].
    • A solvabilidade Tier 1 de um banco mede a sua saúde financeira. Quanto maior o seu valor, mais bem preparado um banco está para fazer face a perdas inesperadas. A solvabilidade Tier 1 dos bancos portugueses no final de 2008 era, em média, de 6.8% [13], valor bastante abaixo do registado em 2021, de 15.2% [14]. 
      Nota: Caso pretendas saber mais sobre como se mede a saúde financeira de um banco, vê este artigo.
    • Entre a falência do Lehman Brothers, o quarto maior banco de investimento dos EUA, em 2008, e o primeiro semestre de 2011, a capitalização bolsista dos principais bancos portugueses afundou 40%, o que corresponde a uma quebra de cerca de 5000 M€.

    Conclusões:

    • Em teoria, este argumento é verdadeiro: uma grande instituição, caso vá à falência, deixa de poder pagar a totalidade das suas dívidas, podendo provocar uma cascata de falências. No entanto, o Estado não aparenta ter quantificado o risco de contágio e não disponibilizou publicamente qualquer estimativa relativa ao mesmo.
    • Tal não significa que o risco sistémico não fosse relevante. Por um lado, existem estudos que apontam para que o risco de contágio não seja tão relevante como possa parecer, por outro, a saúde financeira da banca portuguesa não era alta, encontrando-se em valores que não seriam aceitáveis aos dias de hoje. Vivia-se ainda uma crise financeira ao nível global na altura da nacionalização e os estudos existentes baseiam-se em dados estrangeiros, não necessariamente aplicáveis a Portugal.
    • Devido à complexidade da questão, não é possível tecer conclusões relativamente ao risco de contágio. No entanto, é possível concluir que o risco de contágio não é óbvio e que deveria ter sido estimado e divulgado.

     

    O custo para os contribuintes portugueses seria bem maior caso se deixasse o banco falir
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    • A 22 de Novembro de 2010 a chefe do gabinete do Ministro das Finanças quantificou o cenário de falência como tendo custos superiores a 10% do PIB [15], ou seja, superior a 17.900 M€ [16].
    • Futuramente à nacionalização, em Maio de 2012, o Ministro das Finanças "citou estudos internacionais segundo os quais a falência de um banco teria levado a economia a cair no mínimo quatro por cento, podendo mesmo chegar a 10%" [17].

    Conclusões:

    • Este argumento aparenta ser o mais complexo de avaliar por estar, em parte, dependente da quantificação dos dois argumentos anteriores. Para que fosse verdadeiro, seria necessário um estudo que avaliasse inúmeros cenários possíveis e quantificasse o seu impacto. 
    • O Estado, à semelhança dos argumentos anteriores, não apresentou qualquer estudo nem estimativa que suportasse esta afirmação. Apenas após a nacionalização alguns valores foram publicitados, embora sem qualquer suporte ou justificação aparente.
    • Através dos documentos obtidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito [7] é possível verificar que o primeiro estudo obtido pelo Estado, que analisa o impacto de vários cenários pós-nacionalização, tem a data de 19 de Janeiro de 2009 (2 meses após a nacionalização).
    • Tendo estes fatores em conta, é possível afirmar com alguma certeza que este argumento, embora possa ser teoricamente verdadeiro, não teve qualquer fundamento.

     

    Necessidade de intervenção urgente para evitar a ruptura de pagamentos

    Conclusões:

    • A utilização deste argumento, embora aparente estar logicamente relacionado com o risco sistémico, não suporta diretamente a necessidade de uma nacionalização. A rotura de pagamentos por parte de empresas privadas ocorre frequentemente e não motiva obrigatoriamente que sejam adquiridas pelo Estado.

     

    Conclusões relativas à nacionalização

    • Todo o processo de nacionalização ocorreu à pressa (48h) e com bastante opacidade, não tendo sido tornado público qualquer estudo ou estimativa, tanto antes como depois da nacionalização, que analisasse o impacto da mesma.
    • Todos os argumentos utilizados pelo Estado apelam à emoção e não à razão, dando ênfase a riscos de perdas e à urgência do processo, sem nada quantificar nem explicar.
    • Após análise dos argumentos apresentados conclui-se que: estes ou (1) são pouco plausíveis, ou (2) necessitariam de quantificação, ou (3) não aparentam ter fundamento, ou (4) em nada têm a ver com a necessidade de nacionalização.
    • Ao nacionalizar o BPN, a custo zero, o Estado acabou por herdar a situação financeira do mesmo, ficando esta à sua responsabilidade. Não é, por isso, justo utilizar a expressão "a custo zero".
    • A nacionalização do BPN teria sempre um custo elevado, que não foi quantificado, estimado ou divulgado previamente à proposta de nacionalização. Só em Abril do ano seguinte, 5 meses após a nacionalização, foram apresentados os primeiros valores aproximados do custo da nacionalização do banco: 1.476 M€.
    • Tudo isto parece levar a querer que a decisão de nacionalizar o BPN foi puramente ideológica, não tendo sido o seu principal objetivo a proteção dos contribuintes portugueses. A nacionalização constituiu a passagem de um cheque em branco, por parte do Estado, a uma instituição financeira.

     

    Porque foi depois privatizado?

    Após a nacionalização do BPN, o Estado encomendou estudos para analisar o impacto dos vários cenários possíveis.
    Toda esta secção sintetiza os dados da Comissão Parlamentar de Inquérito [7], que teve acesso aos estudos e a outros documentos que ainda hoje permanecem confidenciais.

    Estudos iniciais

    • 19 de Janeiro de 2009:
      • Nome: “Definição de Objectivos de Gestão do BPN”
      • Análise de 3 alternativas para o BPN: 
        • Integração na Caixa Geral de Depósitos (CGD)
        • Reestruturação
        • Venda imediata
    • 16 de Junho de 2009:
      • Nome: "Relatório final do aprofundamento das alternativas estratégicas para o BPN e da opção recomendada para o acionista"
      • Pedido pelo Estado a 6 de Abril de 2009 de forma a aprofundar o estudo anterior.
      • Quantifica o valor de cada uma das alternativas do estudo anterior, já após a injeção de 1.847 M€ no banco pelo Estado e a sua divisão num banco bom e banco mau, ficando o banco bom com capitais próprios de 371 M€.
     
    Comparação apresentada entre as várias alternativas
    • Integração na CGD
      • São considerados 3 cenários de integração, com os seguintes resultados:
        • Integração total: -136 M€ 
        • Integração total com pré-reforma de 200 colaboradores: -29 M€
        • Integração otimizada: 244 M€
      • O estudo conclui que alternativa não é viável por não gerar valor que compense o dinheiro injetado (1.847 M€), pelo que o Estado perderia valor.
    • Reestruturação Stand alone
      • Este cenário considera a manutenção do BPN como banco público, sendo o banco reestruturado e posicionando-se de encontro aos segmentos de maior crescimento e rentabilidade.
      • O estudo estima como resultado deste cenário o valor de -169 M€ e conclui que alternativa não é viável por não gerar valor que compense o dinheiro injetado (1.847 M€), pelo que o Estado perderia valor.
    • Venda imediata a terceiros
      • Ao contrário das restantes duas opções, é tido em conta que será o comprador:
        • A recapitalizar o BPN para que atinja o rácio de solvabilidade de 8% (estimado em 350 M€)
        • A suportar os custos de despedimentos (estimado em 25-28 M€)
      • O estudo conclui que esta seria a única opção com "potencial de criar valor para o Estado" e recomenda a venda do banco por um valor superior a 244 M€ (Integração otimizada na CGD), que seria o valor gerado pela melhor das restantes alternativas.

     

    Eventos relevantes após os estudos iniciais

    • 23 de Junho de 2009:
      • O Estado refere à Comissão Europeia que está a considerar a hipótese de reestruturar e vender o BPN.
    • 6 de Outubro de 2009
      • Ocorrência de eleições legislativas.
    • 5 de Janeiro de 2010
      • Embora se estimasse que a opção de venda demorasse, pelo menos, 6 meses, o processo apenas foi formalmente iniciado a esta data (6 meses após o estudo), com a publicação do decreto-lei da privatização.
    • 20 de Agosto a 30 de Novembro de 2010
      • O Estado materializa a opção de venda a terceiros ao abrir concurso público para a venda do BPN por 180 M€.
        Não existiram compradores interessados, pelo que o Estado opta por dar seguimento à reestruturação do banco para o privatizar mais tarde.
    • Outubro-Dezembro de 2010
      • O banco é dividido em banco bom e "banco mau".
    • 23 de Março de 2011
      • O Governo apresenta a demissão.
    • 6 de Abril de 2011
      • O Estado apresenta o pedido de ajuda externa, que levou à chegada da Troica. 
    • 27 de Abril de 2011
      • Na sequência do Acordo de Assistência Financeira foi pedido um estudo de duas alternativas para o banco: liquidação e venda, que foi apresentado à Troica nesta data. Cai por terra o cenário de reestruturação.
     

    Comparação apresentada entre venda e liquidação

    • Liquidação 
      • Pressupostos:
        • A venda do crédito é efetuada com um desconto de 30%.
        • Não haverá integração de sucursais nem recursos humanos noutras instituições.
        • Todos os restantes ativos e responsabilidades são incluídos no processo de liquidação.
      • Valores relevantes:
        • Ativos e das responsabilidades: -1227 M€
        • Rescisões e compensações: -49.6 M€
        • Subsídios de desemprego: -41.9 M€
        • Perda fiscal (5 anos): -82.2 M€
        • Cessação de outros contratos: -31.9 M€
      • O estudo estima como resultado deste cenário:
        • O resultado de -1.433 M€
        • Custos totais para o Estado: 4.646 M€ 
    • Venda
      • Pressupostos:
        • Será o Estado a recapitalizar o BPN para que atinja o rácio de solvabilidade Core Tier 1 de 8%, agora exigido pelo Banco de Portugal.
        • Será o Estado a suportar os custos de despedimentos, caso seja do interesse do comprador. 
        • O preço de venda será de 1 € (estimativa conservadora).
      • Valores relevantes:
        • Recapitalização: -513 M€
        • Ativos e das responsabilidades: -22 M€
      • O estudo estima como resultado deste cenário:
        • O resultado de -533 M€
        • Custos totais para o Estado: 3.098 M€ 
     

    Eventos relevantes após reunião com a Troica

    • 17 de Maio de 2011
      • Assinado o Memorando de Entendimento com a Troica em que o Estado se compromete a lançar novo processo de privatização, sem preço mínimo, de forma a encontrar comprador até 31 de Julho. Caso tal não aconteça, o banco teria de ser liquidado.
    • 5 de Junho
      • Ocorrência de eleições legislativas, resultando na mudança de Governo.
    • 31 de Julho
      • Estado chega a acordo de venda com o banco BIC.
    • Agosto de 2011
      • Apresentado à Comissão Europeia documento com a comparação entre a venda e a liquidação ordenada.
      • Documento: BPN-Overview of reprivatisation process (5 Agosto 2011).
    • 9 de Dezembro de 2011
      • O Estado envia à Comissão Europeia o acordo assinado com o BIC para a venda do BPN.
    • 20 de Dezembro de 2011
      • Publicada documento da Comissão Europeia que questiona vários pontos relativos à comparação entre a venda e a liquidação ordenada.
      • A Comissão Europeia concluiu, a título indicativo, sem apresentar valores, que uma falência não ordenada do BPN teria sérias consequências para o sector financeiro e a economia real de Portugal.
    • Janeiro-Fevereiro de 2012
      • Estado atualiza a comparação, alterando os pressupostos iniciais, de forma a dar resposta às preocupações da Comissão Europeia.
      • No cenário de liquidação ordenada prevista pelo Estado, este prevê o pagamento de todos os depósitos e dívidas por parte do Estado e não pelo Fundo de Garantia de Depósitos.
    • 27 de Março de 2012
      • A Comissão Europeia aprova a venda ao BIC.
    • 30 de Março de 2012
      • O BPN é vendido ao banco BIC.
    • 30 de Outubro de 2012
      • É publicado o documento da Comissão Europeia que conclui, com base nas informações de que dispõe, que a opção de venda ao BIC, face à liquidação do banco, contribui para limitar ao mínimo o montante de auxílio estatal.

           

          Análise relativa aos estudos iniciais

          • Tendo em conta os estudos iniciais, entre as hipóteses analisadas, as mais benéficas seriam a Integração otimizada na CGD, com um resultado positivo de 244 M€ ou a venda imediata do banco, caso esta pudesse ser realizada por um valor superior.
          • Não é compreensível a razão para (1) não se ter realizado uma avaliação ao BPN neste estudo e (2) esta avaliação apenas ter ocorrido 10 meses depois, em Abril de 2010. O estudo nunca chegou a quantificar a hipótese de venda, estipulando apenas a condição em que esta seria melhor que as restantes: caso o BPN fosse vendido por um valor superior a 244 M€.
          • Ao contrário do que foi concluído pela Comissão Parlamentar de Inquérito, embora a hipótese de venda aparente ter sido positivamente discriminada no estudo, tal não acontece nas conclusões do mesmo, o que é bastante estranho. Caso tal tivesse sucedido, esta opção seria superior à integração mesmo que o Estado oferecesse o banco a custo zero.
          • Não foi tido em conta o cenário de liquidação do banco, desconhecendo-se as razões para tal. Este cenário apenas foi considerado após a chegada da Troica.
          • Através da descrição dos estudos não parece que o tempo de implementação estimado de cada uma das hipóteses tenha sido considerado. Dado o cenário de crise e da existência de fortes indicadores de que o banco iria tendencialmente desvalorizar ao longo do tempo, é razoável supor que os tempos de implementação de cada um dos cenários tivesse um elevado impacto no resultado dos mesmos.

          Análise relativa à atuação inicial do Estado

          • O Estado optou pela "venda imediata", embora apenas tenha formalizado o inicio deste processo 6 meses e 20 dias depois (5 de Janeiro de 2010), o que dificilmente pode ser considerado como "imediato". 
          • Na primeira tentativa de venda, que decorreu entre Agosto e Novembro de 2010, o preço mínimo imposto de 180 M€ foi baseado em estudos apresentados em Abril de 2010, que utilizaram dados de 31 de Dezembro de 2009, apresentando uma desatualização de 8 a 11 meses face ao momento do concurso público.
          • Após a falha da venda do BPN, o Estado opta por reestruturar o banco para aumentar a probabilidade de uma venda futura. Escolhe, assim, a pior de todas as hipóteses, segundo os estudos, com a agravante da finalidade ser diferente da estudada: a hipótese Reestruturação + Venda não foi sequer considerada nos estudos.
          • A reestruturação, que poderia ter-se iniciado entre Dezembro de 2010 e Abril de 2011, nunca chegou sequer a ocorrer. Segundo o presidente da CGD a "(...) administração do BPN terá identificado algumas das ações que deveriam ser postas em marcha, mas não houve qualquer seguimento em relação a essa matéria".
          • A hipótese de integração otimizada na CGD, considerada como sendo das mais positivas, não voltou sequer a ser considerada nem discutida. 

          Análise relativa à comparação entre liquidação e venda

          • O Estado, após chegada da Troica, ficou limitado à escolha entre liquidação ou venda rápida do banco. Segundo a Troica, o assunto teria de ser rapidamente resolvido uma vez que o BPN continuava a ter prejuízos anuais. 
          • Existe bastante opacidade e secretismo relativamente aos pressupostos e cálculos efetuados para comparar ambas as opções, não sendo possível escrutinar os pressupostos utilizados.
            Por este motivo, pedimos à Comissão Europeia o levantamento do sigilo profissional destes dados, pedido ao qual o Estado já manifestou a sua oposição e à qual recorremos, estando o processo em análise.

           

          Conclusões relativas à privatização

          • Nas audições da Comissão Parlamentar de Inquérito, o Ministro das Finanças referiu que: “Quando a nacionalização foi feita, foi assumido um compromisso político de devolver o Banco ao mercado o mais rapidamente possível”. Não foram encontradas quaisquer referências ao "compromisso político" na discussão e na lei que permitiu nacionalizar o BPN. Esta afirmação aponta para que, mesmo antes de receber qualquer estudo, a decisão do Estado já estava enviesada ou até mesmo definida por motivos ideológicos.
          • Nos vários estudos iniciais que o Estado pediu, não se compreende como (1) não foi solicitada uma avaliação do BPN, (2) não foi considerado o cenário de liquidação, (3) não parece ter sido considerado o risco na implementação de cada um dos cenários e (4) não parece ter sido considerado o tempo de implementação de cada uma das soluções e o possível impacto no valor do banco.
          • O Estado acabou por não escolher o cenário mais vantajoso apontado pelos estudos, a integração otimizada na CGD, tendo descartado esta hipótese sem nenhuma justificação.
            Este facto leva a crer que, à semelhança da nacionalização, também a opção de privatizar o banco aparente ter sido enviesada por motivos ideológicos, não tendo sido o seu principal objetivo a proteção dos contribuintes portugueses.
          • Das opções escolhidas, o Estado acabou por falhar completamente na sua implementação, não conseguindo executar uma venda imediata nem chegando depois a reestruturar o BPN. Dado o desfasamento entre as decisões tomadas e o que consta nos estudos, não se compreende qual o motivo para estes terem sido solicitados, uma vez que não foram tidos em conta.
          • Todas estas falhas, inércia e morosidade levaram a que, no final, o Estado fosse obrigado pela Troica a vender com urgência o BPN sob pena de ter que liquidar o banco, caso não fosse bem sucedido. Esta posição acaba por prejudicar a posição negocial do Estado, ao ser forçado a fechar uma proposta rapidamente, independentemente do seu valor.
          • Face à liquidação, a venda do BPN parece ser a opção mais benéfica, embora não tenham sido tornado público.
          • No final, independentemente da opção imposta pela Troica, é inegável o quão mau foi todo o processo de decisão e execução, que culminou numa realidade bastante mais negativa do que qualquer outra que pudesse ser considerada inicialmente.

          Conclusões

          • O processo de resgate do BPN consistiu, no geral, em dois passos sequenciais: a nacionalização e a reprivatização. Logicamente, o primeiro passo é o mais importante, uma vez que condiciona todos os possíveis passos seguintes.
          • Ironicamente, o processo de nacionalização foi o menos escrutinado ao longo de todo o processo. Neste âmbito é ainda curioso observar que, embora tivesse sido constituída uma "Comissão Parlamentar de Inquérito ao Processo de Nacionalização, Gestão e Alienação do BPN", esta comissão não tenha tido como objetivo a investigação relativa ao processo de decisão que levou à nacionalização.
          • A análise aos argumentos utilizados e a falta de estudos parece levar a querer que a decisão de nacionalizar o BPN foi puramente ideológica.
          • Após a nacionalização do BPN, o Estado encomendou estudos para analisar o impacto dos vários cenários possíveis. No entanto, não só a opção mais vantajosa não foi seguida, por motivos aparentemente ideológicos, como a implementação das restantes foi completamente falhada.
          • Dada a sua passividade, o Estado acabou depois por ser forçado pela Troica a vender urgentemente o banco, que culminou numa realidade bastante mais negativa do que qualquer outra que pudesse ser considerada inicialmente.
          • No final de todo o processo de análise, embora seja óbvio constatar o clima de incerteza e de crise em que todo este cenário se desenrolou, é difícil identificar indícios de ações, por parte do Estado, que tenham sido positivas. Desde a falta de estudos atempados ao facto de ter ignorado as conclusões dos estudos que pediu, desde a opacidade e secretismo por trás das decisões tomadas à falta de iniciativa, tudo parece ter corrido mal.
          • O Estado não mostrou ter as competências necessárias para gerir um processo desta dimensão. O Estado não aparentou ter como objetivo principal a proteção dos contribuintes portugueses.
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            Referências

            [1] BPN - Relatório e Contas 2007

            [2] Tribunal Constitucional - Parecer sobre a conta geral do Estado 2019

            [3] Comissão Europeia - Decisão da Comissão de 27 de Março de 2012 relativa às medidas SA. 26909 (2011/C) executadas por Portugal no contexto da reestruturação do Banco Português de Negócios (BPN) 

            [4] DRE - Resolução da Assembleia da República n.º 34-A/2012 

            [5] Parlamento - Debate Parlamentar 2008-11-05 

            [6] Parlamento - Pergunta ao Governo 774/XI/2 

            [7] Comissão Parlamentar de Inquérito ao Processo de Nacionalização, Gestão e Alienação do Banco Português de Negócios, SA - Relatório Final 

            [8] Fundo de Garantia de Depósitos - Relatório e Contas 2008

            [9] BPN - Relatório e Contas 2008 

            [10] Banco de Portugal - Inquérito à situação financeira das famílias 2010

            [11] George G. Kaufman, Kenneth E. Scott - What Is Systemic Risk, and Do Bank Regulators Retard or Contribute to It? - The Independent Review 

            [12] Bank for International Settlements -Interbank Exposures: Quantifying the Risk of Contagion

            [13] Banco de Portugal - Developments In Banking System Solvency

            [14] Banco de Portugal - Portuguese Banking System: Latest Developments (2021)

            [15] Gabinete do Ministério das Finanças - Resposta à pergunta n.º 5133/XI/1

            [16] PORDATA - PIB Português

            [17] Jornal de Negócios: Com falência do BPN "a economia teria afundado de forma acentuada" 

            [18] Parlamento - Detalhes da Proposta de Lei 230/X/4